Desde seu início, a Ember Lab era uma empresa especializada em animações, curtas e comerciais. Seus trabalhos geralmente assumem tons mais infantis e muito bem produzidos ao estilo cartunizado de curtas de animações da Pixar. Seu trabalho mais notável e que chamou a atenção da indústria dos games foi uma impressionante animação chamada “Terrible Fate”, reimaginando Zelda Majora’s Mask. Em junho de 2020, com um acordo de exclusividade nos consoles com a PlayStation, a Ember Lab surpreende e anuncia o seu primeiro jogo, Kena: Bridge of Spirits, se aventurando em uma realidade que nunca foi sua desde então.
Apresentando belas cenas animadas e sendo atrelada ao seu vídeo mais famoso na comunidade, o de Majora’s Mask, muitos compararam o estilo e conceito ao próprio Zelda e foram surgindo dúvidas se o estúdio seria capaz de cumprir com as expectativas de um jogo apresentado como um exclusivo de consoles da PlayStation e se mostrar como uma grande desenvolvedora de games.
Será que Kena: Bridge of Spirits é capaz de romper a barreira comparativa e se provar como uma nova franquia ou apenas uma mera tentativa de um estúdio novato em desenvolvimento de games de produzir algo na esteira de narrativas single player?
História
O jogo se passa em um mundo fictício no qual sabemos pouco sobre ele. Na narrativa, pessoas que morrem ficam entre o mundo espiritual e físico, se estiverem corrompidas, traumatizadas ou com coisas a se resolver. Há os Guias Espirituais, que são os responsáveis por curar essas almas perdidas e limpar essa corrupção, e Kena é uma Guia Espiritual, assim como o seu pai, no qual herdou o seu cajado.
No início do jogo, Kena está em busca do Templo da Montanha Sagrada e no caminho se depara com um ser que está corrompendo as almas de uma vila abandonada. Kena conhece os gêmeos Saiya e Beni, os Rots espécies de criaturas de floresta que servirão de companhia espiritual e que irão ajudá-lo em sua jornada.
Nessa vila, algo terrível aconteceu no passado, onde não existem mais moradores e está tomada de corrupção. Para que Kena chegue ao seu destino, ela deve recuperar a vila, ajudar almas perdidas, encontrar o irmão perdido dos gêmeos, o Taro, e resolver problema pendentes sobre a sua cicatriz localizada no seu braço.
Campanha
A campanha se sustenta em uma fórmula simples. Kena precisa chegar ao Templo da Montanha Sagrada, e para isso terá que ajudar que espíritos consigam resolver suas pendências no plano físico. Para isso, Kena terá ajuda de um ancião antigo morador da vila que irá orientá-la. Kena ganhará uma máscara e com ela você conseguirá acesso a uma determinada área do mapa, nessa área você encontrará personagens que desejam encontrar espíritos desaparecidos, para encontrá-los, você terá que encontrar três relíquias que simbolizam este espírito e ao conquistá-las, terá um chefe final para libertá-las do seu sofrimento.
É uma premissa básica que não se desvia e tampouco provoca surpresas. A cada história (são três) você irá aos poucos entender o que houve com o povo daquela região e o que provocou o seu desaparecimento. Todas as três histórias possuem uma narrativa bem organizada e gostosa de se acompanhar, possuindo uma razoável construção de personagens e motivações que podem emocionar alguns, mas seu problema narrativo reside em Kena.
A personagem Kena possui uma motivação, mas ela é engolida por esses arcos narrativos dos espíritos, restando ao terço final um desenvolvimento de seu arco pessoal muito apressado e pouco satisfatório. No clímax de sua história, acontecimentos traumáticos do passado de Kena são contados de forma atropelada passando a sensação de que algo foi cortado por falta de tempo ou guardado para algum futuro jogo. No fim, Kena parece estar da mesma forma que no seu início de jogo, tendo pouca resolução no conflito narrativo que a fez estar ali, servindo apenas como subterfúgio narrativo para outros personagens, não como estrela e protagonista da história.
Gameplay
Definindo que Kena segue os moldes de jogos single player da PlayStation. Kena é capaz de dar saltos normais e duplos, dar ataques normais, ataques fortes, usar o cajado como arco, esquivar, atirar bombas, conjurar uma esfera luminosa que serve de escudo contra investidas e além disso possui um sistema onde implementa melhorias nesses movimentos usando quatro árvores de habilidades.
Ao contrário de vários jogos exclusivos da PlayStation, Kena: Bridge of Spirits não possui um mapa de mundo aberto, e sim semiaberto, onde um hub (a vila abandonada) é conectada por diversos mapas onde você pode transitar por seções limitadas que variam entre corredores e áreas amplas.
Na medida que você conhece novas áreas, elas estão cheias de corrupção, logo pequenas esferas brilhantes em laranja sobrevoam seu caminho, elas tomam forma de inimigos quando você se aproxima e geralmente estão presentes em áreas onde você precisa derrotar todos e acertar espécie de “botões de flores malignas” para livrar determinada área da corrupção.
Seu sistema de combate é muito simples, mas não se engane, Kena: Bridge of Spirits pode ter uma aparência infantil e logo pode ser erroneamente relacionada a uma dificuldade mais acessível, engano seu, ela possui uma dificuldade muito desafiante. Com inimigos menores, outros que precisam de determinadas condições para serem derrotados e outros maiores, o jogo vai punir quem for descuidado. Os inimigos tiram muito dano em qualquer ataque comum, ao passo que Kena tirará pequenas frações de vida do inimigo, forçando o jogador a sempre estar ligado nas batalhas.
Nossa heroína Kena possui uma barra de saúde, uma barra de escudo e pontos de Coragem, onde irá determinar o uso dos Rot. Dominar o uso do escudo é essencial para as batalhas, já que vários inimigos vão precisar de uma batalha mais próxima e para evitar que você se dê mal em dois ou três ataques, o jogo te força a dominar essa mecânica e caso usada na hora certa, pode paralisar inimigos, te dando mais tempo de atacar ou até mesmo se curar. Sobre os pontos de Coragem, Kena pode usar essas pequenas criaturas para te ajudar no combate, seja confundindo inimigos, acertando flores que fornecem saúde, ou realizando movimentos especiais em batalhas contra chefe, esses pontos são adquiridos ao derrotar ou acertar cristais no corpo inimigo.
O jogo possui subchefes e chefes a cada nova área de mapa. Essas lutas necessitam de um pouco mais de estratégia e uso de habilidades diferentes, tornando os combates uma batalha de estratégia e quebra-cabeça, de estratégia porque a cada movimento mal calculado, pode significar sua morte e quebra-cabeça porque para golpear o chefe final de cada área, você terá que resolver condições que se apresentam nas batalhas, estilo os jogos da franquia Zelda.
Fora de batalha, apesar de possuir um mundo semiaberto, em áreas fechadas Kena: Bridge of Spirits faz uso de puzzles e mecânicas de plataforma. Você irá encontrar espécies de gotas de orvalho encontradas pelo mapa, ao usar os Rots nelas, eles irão se transformar em uma espécie de “dragão” que é possível você tirar barreiras de áreas tomadas por corrupção para liberar áreas além de poder acertar inimigos. Quando ao seu escudo, ao soltar o botão você irá liberar a luz pela área ao seu redor, essa liberação pode acionar cristais, e essa mecânica é usada para abrir grandes portas ao pisar em botões no chão, geralmente usando da ajuda dos Rots para carregarem outros cristais para que sua luz acabe refletindo e chegando mais longe em cristais inacessíveis. Com seu arco, você terá que acertar áreas de luz para ativar botões, flores que te puxam para áreas inacessíveis no mapa, acionar dispositivos para chegar em plataformas superiores. Com as bombas, elas irão erguer pedras especiais por um determinado período de tempo para você chegar a áreas superiores. Em suma, Kena: Bridge of Spirits é um jogo que mescla plataforma e puzzle, mas a dificuldade apresentada nos combates não é levada ao mesmo nível nestes quebra-cabeças, sendo fáceis de se resolver e pouco criativos, se limitando a meros acionamentos de cristais.
Gráficos
Conforme já falado, Kena: Bridge of Spirits possui semelhanças ao estilo de cartoon de produções da Pixar, não sendo extremamente lúdico e diferente como Psychonauts 2 e um pouco mais realista que Ratchet & Clank. Um dos segredos para um estilo tão “cute” de todos os personagens dessa aventura vem das mãos do character designer, Vic Kun, onde faz um trabalho dos mais lindos do ramo.
Com cenários bem coloridos e uma paleta com predominância azul e verde no geral e vinho avermelhada em locais de corrupção, Kena: Bridge of Spirits não é só bonito em seu conceito artístico, mas também na qualidade técnica e gráfica de seu mundo. Seja nas suas florestas vibrantes com campos verdejantes ensolarados, tempestades noturnas com um jogo de luz e sombra usando relâmpagos de forma invejável ou cavernas subterrâneas completamente escuras, Kena: Bridge of Spirits é detentor de um dos melhores gráficos da geração até aqui.
Claro, pra falar de gráficos, é preciso salientar a principal qualidade do estúdio Ember Lab, que são as suas animações. O jogo possui dois tipos de gráficos, como todo jogo, os gráficos do jogo em si e as cinemáticas. Suas cinemáticas apresentam uma qualidade absurda em todos os campos técnicos possíveis, porque aqui o estúdio está em sua área de domínio, tanto na direção quanto na sua qualidade técnica, se provando um dos melhores games nesse quesito.
Por motivos óbvios, essa qualidade gráfica despenca um pouco no jogo no geral, não possuindo tanta iluminação, animações e texturas quanto nas cinemáticas, com cabelos de personagens e pelagem dos Rots contendo serrilhados, mas nada que prejudique a experiência no geral, mantendo ainda sua qualidade gráfica.
Se por um lado sua parte estética não contenha defeitos notáveis, questões técnicas de interação de objetos e diversas paredes invisíveis prejudicam o jogo e evitam que o mesmo ultrapasse a barreira de um jogo com características da geração passada. Alguns exemplos é que Kena não pode atravessar arbustos, subir em locais que não foram programados para subir como plataformas que estão no caminho da sua progressão e etc. Mostrando com esses pequenos defeitos erros de level design.
Trilha Sonora e Som
A trilha sonora de Kena: Bridge of Spirits é composta por Jason Gallaty, mais conhecido como Theophany. Com a ajuda de Dewa Putu Berata, já trabalhou no filme da Disney como Raya e o Último Dragão e a intérprete Gamelan Çudamani, juntos formam uma trilha sonora com origem em Bali, Indonésia. Com uso de muitos instrumentos de tambor, flautas e o “Gamelan Gong Keybar”, o resultado é uma música com aspectos tribais com muito brilho acústico e ritmos súbitos de tempo e dinâmica, se fundindo com o conceito incomum de uma cultura desconhecida, mas fascinante do seu jogo.
Já sua dublagem, apenas dublado em inglês, mas com legendas em português do Brasil (contendo alguns erros de tradução), é competente, mas não surpreende, muito por conta de um enredo sem grandes momentos onde a interpretação do ator de voz seja muito necessária.
Vale a Pena?
Sim, Kena: Bridge of Spirits é simples e direto. Possuindo uma narrativa que não surpreende na construção da protagonista, mas não decepciona no geral. Por não ser um jogo longo (cerca de 8 a 10h), o jogo da Ember Lab não se alonga demais e entrega uma história completa com início, meio e fim, deixando um sentimento de satisfação.
Com um gameplay com poucas mecânicas e simples, consegue entregar um estilo que pode quebrar a expectativa de quem se engana sobre seu visual, se tornando um jogo desafiante.
Kena: Bridge of Spirits pode não apresentar grandes novidades para o mercado de games, usando muito do que já foi usado, mas por ser o primeiro jogo da empresa, apresenta um grande futuro em novas produções do estúdio. Se existe um conselho, fiquem de olho na Ember Lab.
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Notas do Jogo
Título: Kena: Bridge of Spirits
Descrição do jogo: Kena: Bridge of Spirits é uma aventura de ação baseada em uma história que se passa em um mundo encantador, rico em exploração e combate em ritmo acelerado.
Os jogadores encontram e desenvolvem uma equipe de minúsculos companheiros espirituais chamados de Rot, aprimorando suas habilidades e criando novas maneiras de manipular o ambiente. Kena, uma jovem Guia Espiritual, viaja para uma vila abandonada em busca do santuário sagrado da montanha.
Ela luta para descobrir os segredos dessa comunidade esquecida, oculta em uma floresta coberta de vegetação, onde espíritos errantes acabam ficando presos.
Gênero: Ação e Aventura
Lançamento: 21/09/2021
Produtora: Ember Lab
Distribuidora: Ember Lab
Nota
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História - 7/10
7/10
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Jogabilidade - 8/10
8/10
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Gráficos - 9/10
9/10
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Trilha Sonora e Som - 9/10
9/10
Veredito
Kena: Bridge of Spirits é simples e direto. Possuindo uma narrativa que não surpreende na construção da protagonista, mas não decepciona no geral. Por não ser um jogo longo (cerca de 8 a 10h), o jogo da Ember Lab não se alonga demais e entrega uma história completa com início, meio e fim, deixando um sentimento de satisfação.
Com um gameplay com poucas mecânicas e simples, consegue entregar um estilo que pode quebrar a expectativa de quem se engana sobre seu visual, se tornando um jogo desafiante.
Kena: Bridge of Spirits pode não apresentar grandes novidades para o mercado de games, usando muito do que já foi usado, mas por ser o primeiro jogo da empresa, apresenta um grande futuro em novas produções do estúdio. Se existe um conselho, fiquem de olho na Ember Lab.
Vantagens
- História dos espíritos valem a pena
- Gameplay simples e divertido
- Inimigos desafiantes
- Direção de arte única
- Ótima trilha sonora
Desvantagens
- Arco narrativo de Kena apressado
- Problema de quedas de FPS.
- Paredes invisíveis e falha de level design
- Tradução de legendas com problemas
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