Ao longo dos séculos, o Cristianismo teve uma relação complexa e muitas vezes turbulenta com o misticismo. Por um lado, ele o encorajou, considerando-o como uma forma de as pessoas explorarem a espiritualidade sem recorrerem ao paganismo. Por outro lado, houve momentos em que o proibiu, temendo que fosse uma prática perigosa e associada ao paganismo.
Mulheres místicas se destacaram no cristianismo medieval. Desafiando as convenções de sua época ao mergulharem profundamente na espiritualidade e na busca por Deus. A Indika, por sua vez, brinca com essas expectativas e inverte os princípios estabelecidos. Ao fazê-lo, desafia as normas e oferece uma nova perspectiva sobre a relação entre o Cristianismo e o Misticismo.
Este é o mote da narrativa do novo projeto da Odd Meter, um jogo narrativo em terceira pessoa onde uma freira e um oficial místico dividem as suas visões sobre mundo, fé e humanidade.
História
Em um mosteiro isolado e castigado por um inverno rigoroso localizado em uma Rússia alternativa do fim do século XIX vive uma jovem freira chamada Indika.
Nesse local silencioso, Indika passa os seus dias em tarefas repetitivas e monótonas enquanto realiza rituais cristãos, mas por mais que tente, a sua cabeça não está ali. Perdida nos seus pensamentos, a freira se sente deslocada em sua nova realidade, como se tivesse negando a sua própria natureza, o que reflete na sua falta de vocação percebida pelas outras freiras.
Pela primeira vez, Indika é mandada para fora do monastério com o objetivo de entregar uma carta importante. Partindo para uma jornada de autodescoberta, nossa protagonista carrega consigo um curioso companheiro: o Diabo. Habitando os confins da sua consciência, Indika e esse ser estranho que tenta arrancar dela a farsa de sua atual condição partem para uma aventura que demonstra o mundo selvagem, estranho e incoerente.
Campanha
Esse é um jogo quase que totalmente focado em narrativa e nessa área, se revela como um dos produtos mais impressionantes do ano. Com um roteiro afiado, sarcástico, filosófico e muito maduro, Indika captou a minha atenção do começo ao fim.
Os diálogos trocados entre Indika e o diabo exploram tanto a confusão moral da personagem quanto questionamentos sobre a natureza humana e as contradições da religião. Isso não só é trabalhado entre os dois, mas os personagens e situações que vamos encontrando no enredo demonstram essas questões quando decide quebrar as nossas expectativas quando personagens marginais se apresentam muito mais inofensivos quanto representantes da igreja.
A forma que o jogo decide contar o passado de Indika e a consequência de atos que culminam no motivo dela ter parado no mosteiro é uma das mais criativas e que dificilmente veremos em um jogo AAA, porque demanda tanto coragem quanto originalidade.
O maior dos problemas da sua campanha reside na sua duração, com cerca de 5 horas o jogador irá terminar a narrativa e ficar com uma cara de interrogação e frustração. Interrogação porque a campanha é tão bem contada que você não percebe o tempo passar, frustração porque a história acaba em um ponto alto.
Gameplay
Sendo um jogo narrativo em terceira pessoa, Indika não tem mecânicas de combate e até a sua árvore de habilidades adquirida por meio de moedas fictícias adquiridas ao coletar itens e acender velas é tratada de forma sarcástica dentro do jogo.
Sim, Indika é um jogo onde você precisa andar, mas ele possui puzzles de cenário onde o jogador precisa resolver para continuar a jornada e eles podem estender a duração do jogo justamente por sua falta de orientação.
Na parte em 3D, podemos ter alguns desafios fáceis que consistem em fugir de um soldado com a pior mira do batalhão a bordo de um bicicleta motorizada, mas também podemos ter outro como escapar de um lobo feroz, posicionar estruturas gigantescas para criar novos caminhos, posicionar elevadores para acessar andares antes inacessíveis e vários outros.
Acontece que o desafio do jogo não consiste de grandes dificuldades, mas a falta de guias, orientações gráficas e até mesmo diálogos que deixam claro o que precisamos fazer podem deixar o jogador perdido e pode até mesmo frustrar alguns acostumados a sempre saberem os próximos passos. Na parte de pixel, o jogo implementa desafios de plataforma e até mesmo de corrida a favor do storytelling.
Indika não tem um gameplay essencialmente divertido e diverso, mas também não vai deixar os jogadores entediados, apenas perdidos.
Gráficos e Direção de Arte
Indika parece mais um filme russo do que um jogo e isso fica claro nos primeiros minutos. Com uma paleta de cores neutra, o jogo chega a parecer preto e branco enquanto estamos no monastério, já que as vestes das freiras, os cantos escuros do local contrastados com o branco da neve deixa essa impressão. Visitando estradas de neve, vilarejos destruídos, estações abandonadas e fábricas de enlatados, Indika possui uma direção de arte fúnebre, mas artística, contribuída pelas tomadas de câmera geniais.
O maior problema é que se as expressões de Indika são boas, outros personagens não tiveram a mesma sorte, com aspecto feio e artificial. Texturas e efeitos de cenário também deixam claro que não é um jogo com qualidade técnica de um AAA. É claro que os gráficos não chegam ao nível de incomodar, mas não espere grande trabalho nessa área.
Durante a minha experiência, presenciei um bug que me atrasou em uma hora, onde determinado personagem teria que fazer uma ação, mas não fez, como não sabia, vasculhei cada centímetro do lugar na busca de alguma solução que fizesse o jogo prosseguir. O bug não sumia quando recarregava o save, onde só fui perceber que era um quando abri o jogo no outro dia.
Vale a Pena?
Indika deixa claro que há ideias originais e muito melhores fora das produções de quase meio bilhão, ocupadas a entregar mecânicas quase sempre iguais e histórias cada vez menos envolventes. Com um roteiro maduro, morais filosóficas e uma mensagem clara, a história do jogo não só impressiona pela maturidade do texto, mas também pela direção inspirada.
Apesar de ser um jogo narrativo, ele possui alguns problemas na decisão do gameplay, já que ele confia na percepção do jogador para resolver puzzles de cenário não tão óbvios.
O maior pecado desse jogo é ser curto, justo quando estamos tão órfãos de histórias tão originais.
*Jogo analisado no PC com cópia digital fornecida pela 11 Bit Studios.
Notas do Jogo
Título: Indika
Descrição do jogo: INDIKA é um jogo narrativo na terceira pessoa passado num mundo estranho, onde as visões religiosas chocam com a dura realidade. O jogo conta a história de uma jovem freira que parte numa jornada de autoconhecimento na companhia de um improvável parceiro com chifres. Por fora, Indika parece ser uma típica freira a tentar ajustar-se à vida difícil e monótona dos mosteiros. Mas não te deixes enganar pelo aspeto humilde e inocente desta jovem, uma vez que ela fez amizade com alguém muito improvável: ela fala com o próprio diabo. A ligação incomum de Indika com o Diabo vai levá-la numa missão para além das paredes seguras do mosteiro. O mundo que ela descobre só pode ser descrito como uma combinação selvagem de comédia e tragédia, saída diretamente dos romances de Dostoiévski e Bulgakov.
Gênero: Ação e Plataforma
Lançamento: 02/05/2024
Produtora: Odd Meter
Distribuidora: 11 bit studios
Nota
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História - 10/10
10/10
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Jogabilidade - 7/10
7/10
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Gráficos - 7.5/10
7.5/10
User Review
( vote)Veredito
Indika deixa claro que há ideias originais e muito melhores fora das produções de quase meio bilhão, ocupadas a entregar mecânicas quase sempre iguais e histórias cada vez menos envolventes. Com um roteiro maduro, morais filosóficas e uma mensagem clara, a história do jogo não só impressiona pela maturidade do texto, mas também pela direção inspirada.
Apesar de ser um jogo narrativo, ele possui alguns problemas na decisão do gameplay, já que ele confia na percepção do jogador para resolver puzzles de cenário não tão óbvios.
O maior pecado desse jogo é ser curto, justo quando estamos tão órfãos de histórias tão originais.
Vantagens
- História original, diálogos bem construídos e narrativa madura;
- Personagens carregam consigo dúvidas e dores pessoais;
- Direção de cenas fenomenal.
Desvantagens
- Desafios do gameplay sem orientações podem confundir os jogadores casuais;
- Texturas e expressões comprometem a apresentação visual em alguns momentos;
- Bug pode comprometer a experiência.
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