O ano era 2005, lembro que a primeira coisa que adquiri com meses de salário foi um PlayStation 2. Havia planejado há meses os três primeiros jogos que iria adquirir: os dois primeiros foram Final Fantasy X e Final Fantasy X-2, jogos que pertencem a uma franquia que sou apaixonado desde que tive o primeiro contato. E um pertencia a uma franquia nova, visto com olhares tortos por alguns, mas eu sabia que um game da Square Enix em conjunto com a Disney, não iria me decepcionar. Esse jogo era o primeiro Kingdom Hearts.
Com mecânicas de gameplay ainda em estágio inicial de geração e uma câmera problemática, a narrativa do primeiro jogo tinha uma marca conhecida pelos fãs da criadora de Final Fantasy, a facilidade de criar personagens marcantes, a novidade em ver figuras do universo de Final Fantasy junto com o universo Disney e uma narrativa feita com o coração. É quase impossível que qualquer um que tenha jogado e acompanhado a franquia não tenha se sentido conectado de alguma forma sentimental com a série. Duvido que você fã ao iniciar o jogo não tenha sentido algo ao ouvir Dearly Beloved e o som das ondas do mar, dando aquela sensação de estar voltando para um universo tão familiar.
Pois bem, já inteiramente conquistado pela franquia, foram surgindo jogos e mais jogos. A narrativa que antes parecia simples e até boba, aos poucos foi ganhando camadas e mais camadas de complexidade narrativa, mistérios a serem resolvidos, mecânicas de gameplay com saltos importantes de dinâmica e que foram o motor propulsor para que a série nunca morresse no coração dos fãs, mas foi também o impeditivo para que outras pessoas conhecessem o universo de Kingdom Hearts.
Depois de um longo tempo de espera, finalmente temos em mãos Kingdom Hearts 3, o capítulo final da saga Xehanort (Dark Seeker Saga) e o nosso reencontro com os corações que deixamos pra trás, mas nunca esquecemos. Muitas expectativas são depositadas nesse novo título lançado para o PlayStation 4, mas é preciso avisar que qualquer conclusão final que a análise possa ter, ela tem origem em uma opinião pessoal e não é uma verdade universal.
Eles podem tirar o seu mundo.
Eles podem tirar o seu coração.
Tirar tudo o que você sabe.
Mas se for o seu destino … então, cada passo em frente será sempre um passo mais perto de casa.
História
Antes de começar, é necessário avisar: A série está no seu 12º capítulo, portanto ela não irá se preocupar em explicar com detalhes acontecimentos do enredo, termos ou personagens durante o jogo. O jogo possui um “Arquivo de Memórias”, uma espécie de menu contendo seis episódios onde cada um é reproduzido por uma série de vídeos curtos contando a “História até Agora”.
Nesse arquivo é contado resumidamente A Guerra das Keyblades, Ventus, Terra, Aqua, Sora, Ansem, Xehanort, Heartless, Kingdom Hearts, as Princesas de Coração Puro, Roxas, Xion, Xemnas, a Organização XIII e várias outras coisas. Por isso é vital para não se perder durante o decorrer da história, saber pelo menos o básico da espinha dorsal do enredo, porque é nele onde reside o principal trunfo da série.
Depois de eventos ocorridos em Dream Drop Distance, Sora não conseguiu passar pelo Mark of Mastery e agora precisa recuperar seus poderes perdidos no final do jogo para que consiga o poder do Despertar e que consiga entrar em Realm of Darkness e resgatar os corações dos seus amigos a fim de reunir os Sete Guerreiros da Luz para a Keyblade War que será travada contra Xehanort.
Para isso o jogo inicia com Sora, viajando com a Gummi Ship (a nave de transporte do jogo) indo ao Olympus Colyseum na busca de recuperar os seus poderes perdidos se inspirando em um grande herói, o Hércules. Aí aprendemos que Kingdom Hearts 3 ainda não começou, estamos jogando ainda o Kingdom Hearts 2.9.
No enredo temos quatro linhas narrativas paralelas se desenvolvendo ao mesmo tempo: a do Riku, a da Kairi, da Organization XIII e a principal que é a do Sora:
- Kairi: essa linha apenas apresenta o treinamento da Kairi enquanto precisa se tornar uma Mestre da Keyblade junto com Lea.
- Organization XIII: a linha dos antagonistas. O propósito dessa linha narrativa é dar pistas do que está para ocorrer no final do game. É revelado aos poucos quem voltou à Organization XIII, quais são os planos e qual o estado do “recrutamento” de receptáculos que ainda faltam para completar a organização. É a linha proposta para instigar e trazer tensão durante o jogo.
- Riku: a segunda linha principal, responsável pela investigação. Nela acompanhamos Riku e o Rei Mickey procurando pistas do corpo de Ventus, Terra e responsável por entrar em Realm of Darkness afim de resgatar Aqua, que se sacrificou pelos amigos em Birth By Sleep.
- Sora: a linha da história principal. Sora precisa resgatar as habilidades perdidas para que consiga o poder do Despertar e conseguir resgatar os corações que esperam por ele. Para isso, viajamos pelos mundos Disney afim de reencontrar os poderes de Sora e evitar que as novas Princesas de Coração Puro tenham seu coração roubado pelos membros da Organization XIII.
Viajamos com Sora, Pateta e Donald pelos oito mundos Disney ( Hércules, Toy Story, Enrolados, Monstros S.A, O Ursinho Pooh, Frozen, Piratas do Caribe e Operação Big Hero) e três mundos originais, com a conhecida Twinlight Town sendo um deles.
Nesse sentido, Kingdom Hearts não inovou. A forma de contar a narrativa continuou a mesma. Sora e seus amigos viajam para esses mundos e o roteiro se preocupa apenas a desenvolver a narrativa criada para aquele mundo. Há uma desconexão do sentido de urgência quando a narrativa principal esbarra com a narrativa do universo Disney. Há pequenos flashes nos lembrando da história principal no meio das histórias Disney, mas são pouco conclusivos. Praticamente passamos metade da história sem desenvolvimento nas milhares de tramas a serem desenroladas nesse desfecho de saga e a percepção que o enredo vai sofrer de problemas de ritmo narrativo e apelar para soluções fáceis vai crescendo quando chegamos no ato final.
Quando o ato final chega, tom do enredo muda e adquire ares dramáticos. Acontece uma sucessão de eventos atropelados e resolução de arcos narrativos sem desenvolvimento apropriado que remove o impacto de grandes encontros e revelações tão esperados pelos fãs. Nessa etapa, Kingdom Hearts 3 acaba adotando soluções fáceis de enredo para resolver questões complexas que ele próprio criou durante anos.
Algumas decisões de design scenario (como as batalhas em grupos separadas por corredores), ajudam na tarefa de simplificar o que era complexo, mas por outro lado prejudicou no objetivo de desenvolver de forma mais orgânica e menos apressada os arcos narrativos muito importantes para os fãs.
Há outro grande problema, que pode ser encarado como escolha dos roteiristas pela proposta do jogo ou desconexão e desconhecimento pelo perfil real dos jogadores, que é a qualidade do roteiro, mais especificamente das falas. O jogo se repete, é pouco inventivo e adota frases em um nível muito pobre e até “cafona”. Muitas vezes veremos Sora soltando frases de efeito com construção infantil e pouco profundas, mesmo nos momentos mais sérios. Piadas e brincadeiras forçadas ocorrem várias vezes, bem ao estilo de um anime com pouco cuidado ao roteiro. Há um breve momento onde o personagem Sora é desconstruído (um momento raro na franquia), mas esse momento rico para a evolução do personagem não parece dar prosseguimento narrativo.
O fim deixa uma sensação de algo aceitável, mas abaixo do esperado para a magnitude que a história do jogo prometia para o fim de uma saga tão esperada. E claro, depois dos créditos, o jogo te instiga sobre novos mistérios a serem revelados em uma futura continuação da franquia.
Gameplay
Um dos principais destaques da franquia sempre foi a dinâmica mecânica de combate, com combos variados, magias e especiais customizáveis que enriqueciam a experiência e diversão do jogo. Pois bem, Kingdom Hearts 3 tem tudo isso e muito mais, mas enfrenta alguns problemas em dificuldade, minigames e a terrível Gummi Ship.
Antes de irmos para as mecânicas de batalha, é importante lembrar que o jogo conta com a Gummi Ship e uma quantidade satisfatória de minigames. Agora é possível viajar “livremente” pelo espaço com a famosa nave e coletar itens especiais de sintetização e novas peças para construir modelos personalizados. Mas infelizmente não foi dessa vez que conseguiram deixar a Gummi Ship mais aceitável. Os controles de direção dela são confusos, com proposta entendiante e acabamos passando pelo sistema direto para os mundos Disney. O jogo conta com minigames do Classic Kingdom (jogos antigos da Disney até divertidos), a bela e competente mecânica de controle de navios de batalha (que lembra muito Assassin’s Creed Black Flag), possibilidade de controles robôs no mundo de Toy Story e um minigame de cozinha onde Remy (Ratatouille) controla Sora e cozinha pratos que dão ganhos temporários no status.
O minigame do Ratatouille possui um problema de conceito onde alguns são difíceis de entender, mas não porque são complicados, mas porque possuem mecânicas difíceis de acertar o tempo certo dos comandos. Tenho certeza que você perderá um bom tempo tentando entender como acertar o tempo certo para quebrar um ovo de forma perfeita. Sim, você vai precisar passar por isso caso se interesse pela platina (que é fácil).
O gameplay de Kingdom Hearts 3 segue a mecânica de ataques rápidos e variados onde é possível incrementar novos combos na medida em que você ganha pontos para desbloquear novas habilidades. Os famosos Reaction Commands saem de cena para dar lugar aos Attraction Flows, ataques onde você usa brinquedos do Parque da Disney com mecânicas únicas de uso, ativados quando você acerta um inimigo marcado. Além disso, agora Sora pode usar três Keyblades diferentes que podem ser trocadas durante a batalha sem necessidade de entrar no menu, dando ainda mais opções de combos e fluidez na batalha. Os Summons ainda estão presentes no jogo e cada um possui um efeito diferente, você pode usar: Simba, Ariel, Stitch, Dream Eater (KH: DDD) e Ralph. Há também os ataques combinados com os personagens Disney de cada mundo e com Pateta e o Donald.
Sobre as Keyblades, além de poder equipar três de uma vez, elas agora possuem um sistema de upgrade de status, onde você precisa coletar itens nos mundos para evoluir os atributos de Força e Magia de cada uma. Além disso, elas também contam com transformações e ataques especiais próprios, que são liberados quando você enche a barra realizando combos de ataque ou magia.
Sobre o sistema, é importante salientar, o jogo é muito fácil, mesmo na dificuldade mais alta disponível (Proud). É o principal ponto fraco do jogo, ele não possui desafio algum e acaba frustrando jogadores mais hardcore. Há um excesso de ataques especiais (Attraction Flows, Summons, ataques combinados, transformações de Keyblades e etc) que pipocam o tempo inteiro na tela, deixando a experiência nesse sentido MUITO fácil. O jogo te fornece várias opções de derrotar inimigos e acaba decepcionando. Quem se diverte com dificuldade e um alto nível de desafio, vai acabar odiando e quem se diverte com uso de várias recursos e facilidade de uso das mecânicas, vai amar.
Há o problema de balanceamento de dificuldade onde ela se mantêm a mesma do início e muda na última parte do jogo (quando acabamos os mundos Disney) , onde há um salto de dificuldade grande (mas não chega a ser difícil) que deixa uma sensação de desatenção no balanceamento de dificuldade do jogo.
Outro problema notado é o excesso de paredes invisíveis. É um artifício usado em gerações antigas, mas que não cabem mais na atual geração de consoles. Não faz mais sentido impedir exploração de um mapa.
Em resumo, Kingdom Hearts 3 possui um gameplay divertido, com vários recursos ao estilo arcade. Peca pela ausência de dificuldade, minigames confusos e um problema de conceito de um melhor uso da Gummi Ship.
Gráficos
Primeiramente, precisamos separar o que é escolha de design e o que é ausência de textura ou o generalista “gráficos ruins”. O Kingdom Hearts 3 possui uma proposta de ser cartunesco, adotar como conceito de design poucas texturas e uma paleta de cores bem colorida. O primeiro motivo por ser um jogo que possui uma proposta infantil (pelo menos no visual) e outro motivo por ser um jogo onde os desenhos Disney estão inseridos como proposta importante de jogo, portanto não podemos comparar a proposta de design do jogo com um God of War, por exemplo. Esclarecido isso, vamos em frente.
O jogo apresentou um belo e notável trabalho nesse sentido em relação aos gráficos, até mesmo em teasers trailers apresentados há alguns anos atrás. Inicialmente KH3 seria desenvolvido no motor gráfico proprietário da Square Enix, a Luminous Engine, mas decidiram portar o trabalho produzido para a engine de mercado, Unreal Engine 4.
Cada mundo Disney possui uma proposta de design diferente. A paleta de cores, formas e texturas de um mundo como o de Toy Story são muito diferentes do realismo de um Piratas do Caribe. E a Square Enix conseguiu desenvolver muito bem esse aspecto. A fisionomia e a fidelidade de um Woody, com feições simples são tão perfeitas quanto a complexidade de movimentação e da pele de um Jack Sparrow. É sem dúvida, um trabalho grandioso da empresa e sua equipe de desenvolvimento.
O jogo continua com a bela direção de arte impecável e um trabalho primoroso de reproduzir momentos marcantes dos filmes da Disney rodando em real time. Vale destacar que a Square Enix impressionou até mesmo os estúdios da Disney, que não forneceram nenhum material base para a Square Enix reproduzir, todo trabalho foi refeito do zero. Há cenas marcantes (como a que ocorre no mundo de Frozen) que você ficará de queixo caído. A minha preferida, sem dúvida, é a de Piratas do Caribe, é fabulosa.
No gameplay o jogo apresenta algumas marcas presentes nos jogos da Square Enix, como uma grande quantidade de luzes e shows pirotécnicos pulando na tela. É possível ver partículas das magias que são lançadas (magias que são um show a parte agora).
Não foi notado quedas de frames, bugs ou problemas gráficos.
Trilha Sonora e Som
A trilha sonora continua sob o comando da Yoko Shimomura, a compositora oficial da franquia. Ela continua fazendo bem o seu trabalho compondo músicas autorais para cada mundo Disney. Destaque para “Amigo Estou Aqui” que toca em versão instrumentalizada durante todo o mundo de Toy Story deixando aquele sentimento nostálgico enquanto percorre as estantes na loja de brinquedos. Acredito que a melhor qualidade de suas composições residem nos temas de batalha, que sempre garantem maior imersão, é difícil encontrar uma composição de batalha dela que seja ruim.
O game conta com duas músicas cantadas, uma chamada “Don’t Think Twice” e outra polêmica chamada “Face My Fears” que teve participação do músico e artista Skrillex. As duas são músicas compostas pela cantora veterana na franquia, Utada Hikaru, intérprete de Sanctuary e Simple & Clean, músicas de longa data dos títulos anteriores da série.
Não há muito do que reclamar do design de som, o jogo faz um trabalho competente e correto conferindo sons infantilizados nos impactos de algumas keyblades e estridentes em magias.
Que o meu coração seja a minha chave guia
Vale a Pena?
O gameplay é divertido, fluído e dinâmico, mas certamente é o mais fácil da franquia até aqui e pode frustrar o jogador mais hardcore e que procura um grande desafio. Pelo excesso de ataques especiais e inimigos com IA deficitária, o jogador não deve encontrar dificuldades maiores para terminar o game. O game enfrenta ainda o desafio de tornar o sistema da Gummi Ship atraente e menos entendiante, os controles são confusos e sua existência continua sem propósito dentro da experiência proposta de jogo.
Os gráficos e direção de arte merecem os parabéns ao reproduzir fielmente personagens e cenas marcantes e um show visual. Assim como a direção de trilha sonora que continua com o seu trabalho de garantir imersão e emocionar em pontos chave da narrativa.
Depois de uma longa espera e grandes expectativas, é possível dizer que Kingdom Hearts 3 entrega um fim competente e divertido para a saga Xehanort (Dark Seeker Saga). O jogo carrega problemas de um modelo antigo de narrativa mal estruturada, onde há um notório problema de ritmo e resolução simplista de conflitos. Ainda não vimos uma grande transformação em profundidade de personagem em Sora, mas há tímidas melhoras nesse sentido. A história não é decepcionante e comove em muitos momentos, mas há a sensação que poderia ser mais do que foi.
Agora tudo o que podemos fazer é esperar por futuras revelações de DLC, que já foi confirmado pelo diretor do jogo, Tetsuya Nomura, e ficarmos felizes em poder finalmente fechar um capítulo dessa história que crescemos jogando e sonhar com o que reserva para Sora e seus amigos no futuro.
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Notas do Jogo
Título: Kingdom Hearts 3
Descrição do jogo: KINGDOM HEARTS 3 conta a história do poder da amizade enquanto Sora e seus amigos embarcam em uma perigosa aventura. O jogo se passa em diversos mundos da Disney e Pixar, seguindo a jornada de Sora, um jovem garoto que desconhece o poder espetacular que herdou.
Gênero: RPG / Ação / Aventura
Lançamento: 29 de Janeiro de 2019
Diretor: Tetsuya Nomura
Produtora: Square Enix
Distribuidora: Square Enix
Nota
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História - 7/10
7/10
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Jogabilidade - 8/10
8/10
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Gráficos - 9.5/10
9.5/10
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Trilha Sonora e Som - 10/10
10/10
Veredito
Depois de uma longa espera e grandes expectativas, é possível dizer que Kingdom Hearts 3 entrega um fim competente e divertido para a saga Xehanort. Acaba devendo em história e dificuldade e entrega um ótimo gameplay divertido e fluido.
Vantagens
- Jogabilidade dinâmica e divertida
- Trilha sonora orquestrada envolvente
- Gráficos deslumbrantes
Desvantagens
- Dificuldade muito baixa
- Minigames confusos
- Gummi ship sem propósito
- Ritmo narrativo problemático
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